sexta-feira, 15 de junho de 2012

Fernando Leal da Costa


Não me vou alargar sobre considerações pessoais sobre este senhor, que conheço de vista dos tempos em que fazia Hemato-Oncologia no IPO de Lisboa, e do qual não me ficou nenhuma impressão particular.

Vou falar antes sobre coisas concretas, como por exemplo algumas declarações da criatura política (que podem ser lidas aqui). Por exemplo: "A Ordem dos Médicos não deve ser corporativa e tentar diminuir o acesso dos jovens ao ensino da Medicina e dos jovens médicos às especialidades"; e ainda esta: "Queremos é que não haja nenhum corporativismo que encerre a profissão ao exterior", disse, sublinhando que, nesse sentido, o Governo tem vindo a aumentar os ‘numeros clausus’. "Não vamos consentir que eles sejam artificialmente encerrados", acrescentando que "o interesse nacional está acima do interesse corporativo".

Costuma-se dizer que o povo não se deixa enganar por políticos, e estou certo que a "guerra" mediática entre médicos e Ministério da Saúde (e derivados) não está a ser perdida pelos primeiros por mérito dos segundos. O problema é que também poucos acreditam, resultado de anos de propaganda negativa e de variadíssimos tiros nos próprios pés, em médicos, no sentido lato.

A imagem ficou, o preconceito está enraizado e vai ser difícil de apagar: as pessoas consideram os médicos uma classe priviligiada, corporativa, abastada, quando não desonesta, cínica, pedante e mercenária. Vários posts antigos versam sobre diversos aspectos destes. Poucos, hoje em dia, classificariam a profissão com adjectivos como "de excelência", "nobre", "altruista", e os médicos de "distintamente inteligentes e esforçados". O corporativismo é porém uma miragem, numa classe essencialmente desunida e clivada por regimes de trabalho diferentes (que resultam em remunerações díspares por trabalho semelhante, e que variam do oito ao oitenta), interesses diversos (público, privado, misto) e pensamento maioritariamente individual ou individualista, e só muito raramente colectivo.

O resultado disso é uma satisfação popular generalizada sempre que se "bate nos médicos". Um governante que o faça (como este, calculo, ainda que seja "médico") é tido como "corajoso", um governo (como quase todos neste século) que faça apanágio disso é considerado uma variante de Maria da Fonte de pá em mãos, contra uma espécie de máfia organizada e pérfida. De nada interessa ao povo que disso resulte que a sua saúde esteja cada mais nas mãos do "Pai Estado", e cada vez menos na pessoa que está à frente dela no consultório. Há quem lhe chame mesquinhez e inveja, por várias ilusões de bem-estar que nós não temos, e também com algumas bem reais vantagens que se vão deixando de verificar, estando à cabeça uma suposta "garantia de emprego".

E porque é que essa "garantia" é importante, neste sector em particular, no modelo actual estatizado de prestação de cuidados de saúde? Porque, entre outras coisas, não é crível que existam muitos interessados em passar os melhores anos da vida a marrar em suas casas, a concorrer com os melhores para aceder a uma vaga na Universidade, a marrar durante 6 anos de um curso extremamente exigente e desgastante, a trabalhar depois outros 6-8 anos a tirar especialidades no mesmo regime de exigência, a fazer depois sub-especializações e pós-graduações diversas, numa profissão cuja responsabilidade é enorme, se não for tendo por objectivo algum conforto remuneratório e alguma tranquilidade em termos de garantia de trabalho (ou vá lá, que exista pelo menos a possibilidade de "Mercado").
Isto sob pena de se tornar numa profissão muito pouco aliciante, por ser demasiado trabalhosa e custosa de concluir, em troca de muito pouco ou nada comparativamente com outras. O que a prazo se vai repercutir invariavelmente na qualidade dos serviços prestados. Quando deixam de ser os melhores a procurar um sector para nele trabalharem (e os melhores vão deixar, seguramente, de estar interessados nessas condições que se estão a proporcionar à classe), a qualidade desse sector descresce, sem apelo nem agravo.

Lamentavelmente, não se acautelou historicamente uma carência de médicos que se verificou entre 1995-2010. Foi má gestão do Estado, que deveria, depois da formação maciça de médicos nos anos peri-25 de Abril, gerir melhor as vagas no Ensino Superior, por forma a termos sempre médicos portugueses em número suficiente para assegurar os cuidados de saúde do país. Isto descambou na situação patética de termos que importar médicos estrangeiros para suprir necessidades essenciais dos serviços, enquanto estudantes portugueses emigravam para ser formarem em Medicina. Entretanto fez-se, tarde mas bem, um estudo para precaver futuras necessidades em recursos humanos no sector, por forma a não se repetir semelhante palhaçada. Cujas indicações, à boa maneira portuguesa (quanto terá custado o estudo?), não foram nunca seguidas, ultrapassando-se sistematicamente as reais necessidades de alunos, numa política cujo único objectivo é fragilizar a classe profissional através da geração de desemprego médico, permitindo desta forma negociar trabalho precário e salários infames com as gerações futuras (e que são as que actualmente estão nas Universidades).

O que me traz de volta à referida criatura careca, e que é tema deste post. É muito popular dizer-se que "os jovens" devem ter acesso a tudo o que querem, nomeadamente neste caso à sua pretendida "vaguinha" de Medicina, assim a modos que oferecida com os cumprimentos do Secretário de Estado, através de um esticar até onde ele conseguir dos "numerus clausus", sobretudo se se acrescentar como ele fez que se vai proporcionar isso "contra os interesses corporativos" dos malandros do costume. E "a bem do interesse Nacional", remata muito bem a coisa.
O que este cínico não diz é o que espera estes jovens, aos quais está a proporcionar este sonho, e que vai desembocar directamente para uma política que os pretende atirar a trabalho precário intra-muros ou à emigração.
O que este hipócrita não refere é que hoje, portanto com os numerus clausus de há doze anos atrás (pois quando se tomam medidas a nível da entrada para as Universidades, os resultados vêem-se na saída dos especialistas uma dúzia de anos depois), e que eram bastante mais parcos que os actuais, já não estão a fazer contratos aos especialistas que terminam os seus internatos da especialidade, propondo-lhes antes fazer horas contratualizadas a empresas para os quais os estão a empurrar, sem qualquer outro critério de elegibilidade que não seja a de contratarem aquele que fizer determinado trabalho pelo menor preço.
O que tem a dizer este careca hipócrita e cínico a estes jovens, agora sinceramente, relativamente ao que os espera? Com o superavit de saída de médicos que vai haver nos doze anos que vai durar a sua formação? Se hoje começam a ser especialistas demais para as necessidades, e todos os anos na próxima década vão continuar a sair cada vez mais das Universidades e internatos, quais são as perspectivas que ele tem para oferecer aos seus aparentemente tão acarinhados "jovens", a quem hoje promete a "vaguinha" contra os malandros que depois lhes vão ocupar os postos de trabalho que eles não vão ter à sua disposição? E que salário? Que emprego?

Já agora, excelentíssimo Senhor Secretário de Estado, onde é que sua Excelência vai estar nessa altura? Em que cargo de que empresa pública, ou subsidiária directa do Estado, ou de algum interesse que hoje está promiscua e cinicamente a defender?
Onde vai estar, só para esses jovens, que hoje tanto acarinha, saberem então onde o procurar?

Sem comentários: