terça-feira, 5 de junho de 2012

A Bandalheira


Isto está a ficar bonito....

Uns teimavam obstinadamente em "adivinhar" quais as marcas de remédios cujos princípios activos funcionariam, deixando o manto da promiscuidade com a indústria farmacêutica assentar definitivamente na sua classe. Outros dizem agora que são farmacêuticos que se devem entregar aos exercícios de adivinhação (e sujeitar-se ao assédio da Indústria?). Ao mesmo tempo que acrescentam que, afinal, muitos destes remédios não prestam mesmo para nada, e que o Infarmed não consegue assegurar esse garante mínimo de qualidade do que nos podem vender nas farmácias.

Uns abandalharam as suas especialidades, admitindo tiques que o resto do mundo acha obviamente inadmissíveis, como o flagrante dersrespeito de horários, ou vícios de actuação impróprios da legis artis, como o inconcebível número de cesarianas que se verificam em Portugal. Outros agora põem em risco o funcionamento de serviços e a segurança de doentes, pretendendo cortar a direito com a necessária flexibilidade e disponibilidade de médicos através do uso de pontómetros, sem o necessário reforço hercúleo e provavelmente incomportável em meios humanos dos serviços. Ou ainda outros ousam ignorar o incremento de morbi-mortalidade perinatal e obstétrica associadas aos partos extra-hospitalares e sem os profissionais mais qualificados possíveis à disposição, num retrocesso digno daquelas criaturas que deixaram de acreditar na vacinação para protecção dos seus filhos de infecções evitáveis.

Uns abusaram da inconcebível penúria de médicos que se verificou por não se ter acautelado devidamente os numerus clausus em tempo devido, fazendo contratos milionários, que não eram precários porque imprescindíveis, ou aproveitaram infames medidas eleitoralistas para combates de listas de espera como os inomináveis SIGIC's, que demonstraram sobretudo que a ganância faz mover montanhas, e que a falta de pundonor e a preguiça grassam em sectores demasiados no seio da classe, sendo inclusive premiados. Outros agora, apesar da existência de estudos com qualidade para se precaver nova situação semelhante quanto às necessidades de meios humanos no sector para os próximos anos, não se fazem rogados e fazem tábua raza dos mesmos, admitindo overdose de licenciaturas no sector, tendo em vista a futura precarização do trabalho, que permitirá um dumping de salários a médio prazo, empurrando alguns dos melhores elementos das nossas escolas para o desemprego, para a classe média-baixa, para os privados ou para o exílio em países que optam por não desperdiçar meios em cursos caros sem saída, preferindo contratar os elementos que fazem funcionar os seus serviços de saúde a países como o nosso, onde é sabido que estimulamos a existência de porteiros com licenciatura e, pelo visto, treino em reanimação, capacidade diagnóstica e terapêutica.

Uns encostaram-se a leis laborais caducas, ideologicamente emperradas por ideários revolucionários que tudo pareciam justificar, e fizeram jus de passar os anos a chular o Estado arrastando as suas inúteis carcaças pelos hospitais sem nada fazerem de útil que justificasse os seus salários, protegidos por "Carreiras" pouco meritocráticas e "progressões automáticas" até à estratosfera dos limites da paciência (e dos bolsos) humana. Outros agora têm o descaramento de fazer concursos públicos, para contratação de profissionais médicos para o SNS, cujo principal critério é o "mais baixo preço/hora". Não a competência, o currículo, a experiência, os anos de serviço, a aptidão para o lugar pretendido. Nada disso. O critério, emanado de uma empresa de contratação, a mando do Ministério da Saúde, é a preferência por aquele que cobrar menos por cada hora de trabalho, ou aquele que se comprometer a ver "mais doentes" no espaço de tempo mais curto (um de 15 em 15 minutos, para ser mais preciso).

Anda tudo doido, e infelizmente não há imaculados nem inocentes nesta matéria. Facilitaria que houvesse, mas não há. Não se pode dizer que "dantes é que era bom", ainda que tal não justifique que se passe a ficar pior ainda, e a muito curto prazo.

É a segurança dos doentes e a universalidade de uma SNS COM QUALIDADE que está em risco. E sublinhei "com qualidade", porque estes governantes maliciosos, besuntados até ao tutano por interesses de quem quer lucrar com este sector, nunca vão dizer que querem acabar com o SNS. Vão dizer que querem "poupar". E que querem poupar "com médicos", o que nos dias que correm até dá votos. E estão de facto a fazê-lo, mas às custas da qualidade. Os hospitais públicos vão ficar progressivamente espremidos dos seus melhores profissionais, que migrarão naturalmente para locais (privados ou estrangeiro) onde premeiem a competência com salários condizentes, e irão secar, apesar de garantidamente bem cheios de uma horda de tarefeiros indiferenciados dispostos a trabalhar quase de borla, por não lhes ser reconhecida competência para os mais altos vôos. Para se ter um certo nível de Medicina vai começar a ser preciso pagar, e a recorrer aos privados. Quem não puder pagar contentar-se-á com o resultado a que esta política vai irremediavelmente conduzir o SNS. O que receio bem vá ser muito pouco, ou demasiado mau.

Acredito, apesar das inúmeras vicissitudes que me levam tantas vezes a criticar de forma mais ou menos mordaz algumas facções da minha "Classe" (aquelas que, no fundo, têm muito pouca classe), e que são facções cínicas, incompetentes, e não merecedoras da profissão que exercem e do salário que ganham (uma vez que parte do bolso de todos nós, no actual sistema em agonia), acredito dizia eu que apesar de tudo isso, há uma maioria de médicos silenciosos, briosos, trabalhadores, competentes e geradores de uma saúde de excelente qualidade para a população portuguesa, como acabam por demonstrar diversos indicadores de saúde devidamente validados, e como poderão testemunhar aqueles que, infelizmente, mais acabam por precisar de cuidados de saúde (não tenho disso dúvida alguma). Não há serviços de excelência em todo o lado, mas há seguramente muitos serviços de excelência espalhados por esse país fora. Não estamos povoados em exclusividade com médicos dignos desse nome, mas há concerteza imensos médicos, uma maioria, que faz tudo pelos seus doentes, e que o faz bem, de acordo com o que de melhor se sabe a nível mundial nesta Ciência.

O futuro da Medicina em Portugal tem que passar por eles, pela sua valorização, para garante da Universalidade de cuidados com qualidade aos portugueses. E até precisa da sua indispensável contribuição directa nas decisões para racionalizar o que é possível em tempos de contenção, sem comprometer o essencial na saúde da população.

Só espero é que as pessoas consigam percebê-lo, antes que seja demasiado tarde. A começar pelos médicos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Das melhores reflexões e mais sóbrias que tenho lido ! Resta a esperança (pouca) que os Portugueses saibam ler nas entrelinhas e defendam o SNS.