segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Bonemaison


Este é o nome do médico francês, agora internacionalmente conhecido por estar a braços com problemas acerca da sua interpretação do fim de vida.

Quer estejamos a falar do não início fútil de tratamentos que não melhoram o prognóstico global do doente, quer estejamos a falar na sua suspensão, ou na administração de paliação (e aí são domínios diferentes as doses e tipo de analgésicos e sedativos usados...), e por aí fora, a questão essencial vai sempre bater num ponto:
-Quem deve decidir, e como se deve decidir?

O caso desse médico em particular aparece extremado pelas notícias vindas a público (que devem ser vistas com as reservas que é sempre saudável ter perante exposições jornalísticas), tratando-se aí de um homem que aparentemente, perante casos de doentes terminais que recorreram ao serviço de Urgência onde trabalhava, terá assumido, não apenas a escusa de iniciar terapêuticas em sua opinião fúteis, mas ainda a administração activa, não apenas de sedativos ou analgésicos, mas também de paralisantes neuro-musculares (medicamentos que impedem o doente de respirar, levando à sua morte em poucos minutos).
Isto sem, aparentemente, ter conferenciado com outros colegas nem com os familiares.

É deveras impressionante, mas há uma nota digna de registo: nenhum familiar apresentou individualmente queixa, mesmo depois de ser ter feito a acusação pública (com base numa queixa interna de enfermeiros do serviço, que teriam testemunhado outras situações análogas deste homem no passado).

Isto tudo leva-me a concluir que, mais uma vez, o problema fundamental aqui é o da falta de comunicação, e de falta de padronização ou sistematização na abordagem de um problema que é transversal a todos os seres vivos: a altura em que se preparam para deixar de o ser.

Provavelmente, se as coisas tivessem sido discutidas com os familiares, não apenas na altura terminal em que o doente vai ao SU caquético, mas bem antes disso, e também com o próprio doente numa altura em que as suas funções cognitivas estariam intactas, provavelmente isto não seria problemático para ninguém, desde que devidamente enquadrado legalmente (e isso, enfim, é outro problema, a teimosia da estrutura legal se manter pesada em libertar as pessoas para decisões acerca do seu próprio corpo e da sua próprioa vida...).

Porque advém outro risco de ficarmos todos a pensar, sem mais, que é inadmissível um médico isolado tomar uma decisão como as que este senhor tomou: a de, por inércia na abordagem destas questões, nos vermos um dia na contingência de não estar suficientemente lúcidos para emitir opinião, e de ficarmos a sofrer de forma inadmissível por períodos mais ou menos prolongados de tempo. E atentem bem que é muito diferente agoniar-se (irreversivelmente) com dores ou falta de ar um dia, uma semana ou um mês....

Não me choca a réstia de "suicídio assistido" que este caso esboça (não sendo obviamente suicídio por não ter partido a intenção da parte do próprio doente, sendo aqui concretamente um caso de "homicídio por compaixão", na melhor das hipóteses).

Convém é que rapidamente possamos deixar explicitamente, por escrito, o que queremos que façam de nós nos diferentes contextos clínicios em que nos poderemos (e iremos) um dia encontrar, permitindo aos profissionais que nos façam tudo aquilo que desta forma autorizarmos.
Seria um primeiro passo, permitir este género de "testamentos".

Para um dia mais tarde torná-lo obrigatório (tal como o é o registo do nascimento de uma criança), por forma a não subsistirem dúvidas acerca do que qualquer um de nós queria (ou não queria) nessa fase incontornável (do fim) das nossas vidas.

O pior que pode acontecer, é fazermos de conta que isso é problema dos outros. Não é. Vai ser o nosso um dia, quiçã um dos que mais nos irá afligir, seguramente um dos que mais nos fará sofrer.

E são casos mediáticos como este que impulsionam quem lida com este tipo de doentes a nada fazer que os possa depois vir a tornar alvo da chacota mediática e social mais ou menos bem intencionada.
Não tenham pois qualquer tipo de dúvidas também acerca disso: nos próximos tempos, em França, os que sofrem vão ter o privilégio de ficar a sofrer mais tempo, porque ninguém vai querer correr o risco de ser acusado de ter "precipitado" indevidamente as coisas, por mais imoral que isso possa ser no outro extremo deste mesmo problema....

Pela enésima vez: está na altura de abrir a pestana!

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