quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Velhos na Estrada

Na cidade capital de distrito (na "província") onde exerço, estava eu de saída de uma Urgência de 24h, e invulgarmente de saída para casa, e aproveitei para uma passagem pelo centro da cidade para resolver problemas mundanos pendentes, daqueles para os quais raramente conseguimos algumas horas para os "despachar" (haverá assim tanta gente com o "expediente" que tantas dessas coisas parecem requerer?), e constatei um fenómeno curioso.
Parecia que a velharia da cidade, que eu podia jurar estar toda em peso no Serviço de Urgência há um quarto de hora atrás, tinha saído em peso para a estrada nos seus calhambeques para me boicotar a missão cívica de chegar ao sítios devidos para tratar "da água", "da luz", "do gás", "do seguro", "do banco", "dos correios", e por aí fora....
Desde o octagenário com óbvia espondilose cervical que se atravessa de uma rua sem prioridade à frente do meu carro (que por sua vez roda habitualmente "desconfiado", conhecedor que já é destas estradas, e em velocidade de cruzeiro) com a tranquilidade de quem não faz a mínima ideia dos efeitos de uma desaceleração lateral na sua rígida e frágil tubagem axial, passando pelo nervosamente apressado boinado no sentido contrário que, com a autoridade do seu pisca, ou então com a inconsciência que lhe facultam as suas (um dia eventualmente letais) cataratas, vira espantosamente atravessando-se (mais uma vez) à minha frente obrigando a (atempada) travagem, até ao esquecido/demente do clube, desses que vai alternando travagens e pequenas acelerações, sem piscas nenhuma outra sinalética, a permitir aos seguidores os mais diversos exercícios de adivinhação (em como se a intenção dele será estacionar, parar em 2ª fila, apenas chatear, ou ainda se se terá perdido numa agudização da sua doença neurológica de base).
Ia pensando eu, mais ou menos exasperado, mais ou menos compreensivo, conforme o tempo que me era dado para racionalizar o curioso circo que se ia desenrolando, quem seriam os médicos de família que iam renovando as cartas a esta gente, e quantos deles teriam efectivamente aquela, caso os primeiros fossem responsabilizados pela detecção de óbvias incapacidades na sequência de alguns acidentes que, no meu imaginário, seguramente devem ir acontecendo por esse país fora.
Enfim, alheando-me da minha lusa falta de civismo, perder a carta, e o direito de conduzir, logo de se deslocar autonomamente onde bem se entende, é morrer um pouco.
Pelo visto, não há muitos com coragem para infligir tal desgosto aos seus pacientes, ou pelo menos estes acabam por arranjar quem se comova.
E eu, sinceramente, não sei bem o que pensar sobre isso.
Se deva de uma vez por todas munir-me da paciência que me falta para com esses meus concidadãos de maioridade, ou se kitar o meu carro com um calmante míssil telecomandado.

1 comentário:

Daniel RM disse...

muito bom o comentario