quinta-feira, 30 de abril de 2009

H1N1

Eis o tema que, de momento, mais me aborrece. De morte, mesmo....
Tal como diz o eminente virólogo francês Didier Raoult, hoje em dia já não se pode falar de gripe. As pandemias sazonais do passado (aliás recentes, até há 10-15 anos, quando se deu a universalização da vacinal gripal aos grupos de risco em Portugal) foram esquecidas, ao ponto de andarmos todos histéricos com "comunicados", "níveis de alerta" e toda e qualquer movimentação da cada vez melhor estruturada OMS (e que é, no fundo, a grande mudança à qual não estávamos habituadas antes, esta melhoria da monitorização epidemiológica dos dias de hoje; ou seja, boas notícias!).
É gripe, meus senhores, e há poucas coisas mais banais que a gripe.
Não é grave? Ai é, sim senhores, nas populações de risco que, ao contrário do que acontece com a sua parente sazonal, não poderão estar vacinados contra esta. As populações de risco são crianças, idosos, imunodeprimidos em geral e doentes com poli-patologias, sobretudo pulmonares e cardíacas.
Os outros vão ter gripe, mais ou menos fruste. Nomeadamente eu, que serei dos primeiros, dada a minha condição de profissional particularmente exposto.
Quero eu com isto dizer que está-se a fazer uma tempestade num copo de água? Claro que não, há que evidentemente procurar salvaguardar os grupos de risco (isolando os contagiantes e protegendo os "arriscados"), já que esta gripe, como qualquer outra, pode matar (e mata alguns milhares em Portugal, todos os anos).
Esta tem como ÚNICA desvantagem, repito, a de não permitir imunizarem-se as populações de risco. O que quer dizer que, enquanto que num inverno normal, com uma gripe normal, as Urgências ficam atafulhadas de doentes internados em macas, pelo facto das enfermarias estarem cheias, mesmo apesar das vacinas (que nunca alcançam a população toda a que se destinam à partida), agora ficarão ainda mais atafulhadas, e com mais casos graves, sobretudo com descompensações de doenças crónicas desequilibradas, desses doentes de risco, pela infecção viral. Ou seja, será um inverno "agravado".
O leitor médio deste blog, como eu, vai limitar-se a ter febre e umas dores no corpo, vai tomar um anti-inflamatório e esperar que passe, para então voltar ao trabalho.
Se calhar eu terei que me proteger, para não contagiar os meus filhos em casa, sobretudo o mais pequeno, talvez com porte de máscara e lavagem cuidadosa das mãos antes de lhes tocar. Eventualmente haverá encerramento temporário de escolas, se a contagiosidade for preocupante, e terei que mobilizar uma avó para tomar conta deles, dando indicações para evitarem aglomerados durante uma temporada (centros comerciais e afins...).
Fora isso, nada de especial, com a excepção (muito particular) do caos no Hospital (com os tais doentes de risco, descompensados, em número excessivo, face à incapacidade do SNS absorver qualquer situação banal e cíclica de surto de afluência, quanto mais uma excepcional como essa...).
E, claro, muita histeria à mistura....
Esqueçam lá aqueles filmes de vírus mortais que dizimam populações inteiras de gente nova que de outro modo seria saudável. Não é disso que se trata.
É mesmo só uma pandemia de gripe....
*Alguns números de AGORA (01:30 do dia 30/Abril): EUA com 91 casos confirmados, 1 óbito (bebé mexicano com 21 meses de idade, que emigrou gravemente doente à procura de tratamento); México com alguns milhares de casos suspeitos, e 7 (não é engano: SETE) casos seguramente atribuídos ao vírus, cento e cinquenta e tal "suspeitos"; Canadá com 13 casos, sem óbitos a registar; algumas dezenas de casos suspeitos na Europa (alguns, 19, confirmados), sem óbitos; e é tudo, para já.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Enfermeiros em Greve

Quem me conhece sabe que nada me move contra essa classe de profissionais, bem pelo contrário, tenho-os como maioritariamente altruistas, preocupados com o próximo e competentes na execução das tarefas que lhes competem, o que é tanto ou mais do que consigo dizer da minha própria "classe"; muitos e bons amigos, verdadeiros, tenho entre profissionais Enfermeiros do Hospital onde trabalho, e sei que a eles não ofendo com estas palavras.
Por outro lado, não deixo de constatar que alguns, geralmente os que menos se enquadram nesse perfil grandemente maioritário que tracei, me afectam os nervos, particularmente com os complexos de inferioridade que os caracterizam (e que, como complexo que é, não tem qualquer razão de ser, a não ser pelas razões das respectivas patológicas cabeças).
Esse complexo debita numa série de patetices mais ou menos públicas, mas aquela que hoje me inspirou foi, num panfleto de greve, ter visto que uma das razões da mesma seriam os baixos salários que auferem, versus os "chorudos salários" de "outros grupos profissionais", responsáveis pela depauperação dos cofres do SNS.
Umas notas apenas:
-A preocupação com os cofres do SNS é tocante; bastava preocuparem-se, legitimamente, com a sua própria remuneração, mas pronto, lá tinham que se preocupar com o bolso de "todos os portugueses"...;
-O salário de uns (altos) não são a razão do salário de outros (baixos); é irrelevante, menos para certo número de criaturas desejosas de inspirar a inveja, e outros belos sentimentos que tal, na massa à qual se dirige;
-A razão do baixo salário de uns são as regras de mercado (tal como os altos salários de outros); é haver demasiados enfermeiros para poucas vagas (e não interessa nada para aqui se deveriam ser mais, as vagas -essa sim outra reinvidicação pertinente-); é ter-se permitido a formação excessiva de profissionais, não lhes dando depois condições para poderem concorrer a lugares sem terem que se submeter a vergonhosos regateios de salário, onde obviamente se menospreza a qualidade a troco daquele que aceita trabalhar por menos; é, corporativamente, nunca se terem preocupado com esse excesso de oferta de mão-de-obra;
-Não adianta agora culpar o mundo (ou "os outros") pelos erros (note-se: das instituições ligadas aos enfermeiros, Ordem, sindicatos, associações, ..., que não souberam acautelar os interesses dos seus associados, e pior, a qualidade da prestação de cuidados daí decorrente) do passado; importa, isso sim, restringir desde já essa formação; acreditar os estabelecimentos de ensino; impedir a sua proliferação desenfreada; certificar a qualidade dos profissionais formados nas mesmas; entre tantas outras coisas inteligentes para se fazer....
Agora, acharem que achincalhar ou agredir as classes profissionais conviventes convosco (com eles, os tais enfermeiros complexados patológicos), ainda que apenas institucionalmente (no terreno, felizmente, a razão prevalece, pelo menos onde me movo e com quem me interessa...), vos vai resolver os muitos problemas reais que têm, além de infantil, é, lamento dizê-lo, mesquinho. E ser mesquinho é muito feio, ainda (acho...).
Mas não se preocupem, não são os únicos com dificuldades em rever-se naqueles que vos "representam".

O Lamaçal

Uma adenda a um post recente do MEMAI, no seu excelente blog, que já é referência na área da saúde em Portugal.
E para criticar, no fundo, a sua posição sobre a "posição pública" (chamemos-lhe assim) da corporação médica sobre a "política do medicamento" (chamemos-lhe também assim).
Essa posição assenta basicamente no pressuposto que cada médico tem formação (e/ou "intuição científica") suficiente para se pronunciar sobre se determinado genérico é ou não tão activo quanto o medicamento de marca que lhe deu origem (e com o qual se fizeram os estudos/ensaios clínicos).
Concedendo-se no óbvio, que é o de ter apenas a "certeza absoluta" que o efeito pretendido só é assegurado pela própria substância que foi estudada, já, a meu ver, deduzir que um determinado equivalente (dado como tal por uma instituição, o Infarmed, que deverá ser competente nessa assumpção) "pode não ser" tão bom quanto a molécula que deveria copiar (por não ser de facto igual, ou pelo excipiente ser diferente, ou pela forma galénica, não interessa) é, evidentemente, lírico.
Ou seja, no mínimo, somos tão incompetentes quanto o Infarmed para assumir isso, com espírito científico que ultrapasse a "experiência" clínica (e quem já me lê há algum tempo conhece o meu "asco" pela terminologia em causa).
Tenho pena que continuemos a chafurdar, pois, neste lamaçal dos interesses das companhias farmacêuticas, na qual os farmacêuticos agora sonham bezuntar-se todos também, empurrando-nos para fora do mesmo, ainda que digam apenas querê-lo partilhar.
Colegas, antes de se indignarem com a óbvia pusilanimidade do presidente da ANF acerca dos seus "altruistas" interesses quanto aos bolsos dos pobres portugueses (que me fariam rir mais se não fosse levado a sério por alguns proto-jornalistas da praça), que ele desta forma pretende despojar um bocado menos, devíamo-nos envergonhar era com a nossa própria atitude, em não nos desmarcarmos de uma vez por todas deste esgoto interesseiro que é o das companhias farmacêuticas, empresas que competem entre si como razão de existir (e legitimados pelas "regras" mercado), e de uma vez por todas prescrever unica e exclusivamente por denominação comum internacional (DCI). Depois, a marca respectiva, que o estado decidisse como bem entendesse.
Ou que outro qualquer, que não o estado (se quiserem pode ser o Sr da ANF), decidisse, mas não nós, se não quisermos ser porcos iguais, e do mesmo lamaçal.
Está bem que podemos argumentar que a motivação de um médico na dádiva de um determinado remédio ao doente sempre é melhor, ou não tão má, quanto será a de um farmacêutico.
Que temos mais "princípios", ou mais "ética", mas lamento, acho que o povo, esta turma da pré-primária a quem nos pensamos dirigir quando debitamos essa incongruente prosa, não engole o argumentário. E ainda bem, deve estar mais inteligente, o povo.
Em suma, se queremos rir-nos da indignidade de certas aves raras (como esse patético Sr da ANF que há tanto tempo pertence ao anedotário nacional, esse Valentim de meia-barba, essa Fátima Felgueiras travestida, esse Isaltino de candura, esse Pinto da Costa de honestidade, enfim, esse esperto e rico self-made man à portuguesa...), devemos antes dignificar-nos a nós próprios.
Depois, e só depois, poderemos criticar com propriedade os outros porcos, que não nós, no seu lamaçal, que não o nosso.
Até lá, sinceramente, sugiro que nos calemos.