quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

NonSense

(...)
O primeiro-ministro, José Sócrates, garantiu hoje que mantém as suas reformas na área da saúde, nomeadamente na rede hospitalar, e que apesar de não encerrar mais urgências sem alternativas (*1), também não vão reabrir as urgências já encerradas.
«Ninguém vai voltar atrás em nada. O que nós queremos é ter um novo método mas cumprir os mesmos objectivos» (*2), afirmou José Sócrates após a tomada de posse, no Palácio de Belém, em Lisboa, dos novos ministros da Saúde (Ana Jorge) e Cultura (António Pinto Ribeiro).
Quanto à saída de Correia de Campos da Saúde, a «pedido» do próprio ex-ministro, visa apenas «reforçar a confiança dos cidadãos no SNS» (*3), garantiu o primeiro-ministro.
(...)
*1: Encerraram Urgências sem alternativas? Isto é assumido assim, despudoradamente? Isso não é crime? E as populações onde as Urgências encerraram, e que não têm alternativas, segundo as próprias palavras do PM, vão manter-se assim, sem alternativas? Com as Urgências encerradas e sem alternativas?
*2: O objectivo, de encerrar Urgências sem alternativas vai manter-se com cosmética, ou o objectivo é...?
*3: Se dúvidas houvesse quanto ao objectivo cosmético, ou eleitoralista, ou a ausência que qualquer intenção de mudar os objectivos reais com essa exoneração, o próprio PM, com o seu mau domínio da semântica, elucida-nos neste trecho. A sorte dele é que ninguém liga a estas coisas. Aliás, não é sorte, ele sabe-o bem. Daí esta palhaçada toda, até à re-eleição final, dele ou de outro igual a ele (vulgo LFM).

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Dúvida Para-Existencial

O Ministro demitiu-se, ou foi demitido.
Agora é que não percebo mesmo nada.
Ele não estava a cumprir primorosamente aquilo com o que se comprometeu, e que levou a que o indigitassem para o cargo? Não foi suficientemente longe?
Tive alucinações, ou ele fez apenas e só aquilo que desde o início disse que faria?
Porquê o despedimento? Por competência excessiva? Excesso de zelo? Cumprimento desavergonhado do prometido?
Ou alguém acredita que os QI's dos nossos governantes andam pelas ruas da amargura, e que ninguém se apercebeu daquilo que foi claramente assumido, desde sempre, por Correia de Campos?
Bom, deixemo-nos de sarcasmos, todos o que têm ainda uma réstia de inteligência sabem o que significa esta "exoneração".
Um balão de oxigénio.
Sim senhor, ele fez o que lhe competia. Vem outra para o lugar, dar continuidade, com maior ou menor cosmética.
Ele foi, pois, apenas vítima do desgaste mediático, que qualquer Ministro da Saúde que ponha em prática a política vigente para o sector dos últimos 4 governos, irremediavelmente, sofre. Foi vítima da não assunção envergonhada desta política por aqueles que a põem sucessivamente em prática. Porque ela é difícil de assumir, prejudica muito a contagem final dos votos.
É mais fácil fazer de conta que se quer manter um SNS de qualidade e prometer ao mesmo tempo colossal abate do défice, do que se calhar confessar que uma coisa é exclusiva da outra. Ou talvez até nem seja, mas já nem vou por aí....
Faça-se pois justiça a Correia de Campos: ele nunca foi hipócrita nos seus intentos.
Essa hipocrisia é mesmo apanágio dos que se regem pelas sondagens para serem sucessivamente eleitos, exoneram ao sabor das mesmas e escondem que, no fundo, é mesmo tudo para continuar a evoluir na mesma.
E neste cenário, Correia de Campos até acaba por parecer heróico.

A Traição

Passo a explicar: trata-se da traição, por parte deste governo, ao espírito da Medicina Hospitalar, no que se refere ao atendimento a doentes em Serviços de Urgência. É uma perspectiva "interna", se assim lhe quiserem chamar.
Toda a estrutura do SNS em Portugal assentava, bem ou mal, no atendimento de casos que não punham em risco a vida dos doentes (casos "não urgentes", a patologia banal, mas de surgimento súbito e incómoda, que carece de observação e, por vezes, de tratamento) em Serviços de Atendimento Permanente (SAP's) ou equivalentes, com posterior encaminhamento para estruturas hospitalares de Urgência dos casos potencialmente mais graves, já devidamente triados nessas estruturas.
Assim, esse atendimento em SAP era feito geralmente pelo Médico de Família, conhecedor muitas vezes até do doente que lhe aparecia pela frente, seja como for, conhecedor da patologia o quanto baste para resolver o problema da maioria dos doentes (as "gripes", as "gastrenterites", as "amigdalites", as "crises de ansiedade", as "crises vertiginosas", e por aí fora...), variando então a sua eficácia em função da sua capacidade, controlado pelos serviços a jusante.
A estrutura hospitalar, por sua vez, estava estruturada para receber doentes mais complicados, para o diagnóstico diferencial da doença que carece de cuidados urgentes ou emergentes, e era maioritariamente composta por especialistas de Medicina Interna, Cirurgia Geral, Ortopedia, Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria.
Claro que muitos doentes fugiam a este "roteiro", e adulteravam o sistema através dos mais diversos estratagemas, no sentido de se dirigirem preferencialmente ao Hospital, onde existem meios humanos e complementares de diagnóstico mais abundantes.
Mas muitos eram mesmo atendidos nos SAP's, e viam lá resolvidos os seus problemas.
Nos dias que correm, desapareceram os SAP's, e a estrutura hospitalar suporta tudo. Aqueles que dantes se dedicavam a atender casos urgentes passaram a fazer consultas "banais". Muitas. A acrescer aos casos urgentes, que como é óbvio não desapareceram. Criaram-se esquemas de triagem, mas que são naturalmente falíveis, e compromete-se, aqui e ali, a saúde e por vezes a vida de alguém.
Ao brutal aumento do afluxo de doentes, não houve, evidentemente, aumento concomitante dos profissionais ou melhoramento das estruturas físicas existentes, que já não eram propriamente abundantes e boas, respectivamente, antes desta engenhosa "reforma".
E os profissionais existentes estão, como é óbvio, descontentes.
Passaram a executar maioritariamente actos para os quais não estão vocacionados (atendimento de "patologia não-urgente" a granel). Passaram a estar sempre pressionados pelos doentes descontentes, que estão à espera de ser atendidos. Muitos sem doença urgente, mas também sem terem para onde ir resolver o seu problema, que carece, obviamente, de atenção médica. Passaram a ter menos tempo e disponibilidade para o atendimento aos doentes realmente urgentes (pois existem aqueles todos ainda por observar "além", que podem ser urgentes ou não). Passaram a estar mais cansados. Passaram a estar mais insensíveis ("eles que esperem, eu só vejo um de cada vez") e intolerantes com a pessoa-doente ou os seus acompanhantes ansiosos. Surgem conflitos irracionais, com doentes a culpar médicos e médicos a desdenhar as queixas da pessoa-doente.
Numa palavra: estes serviços de Urgência, agora mistos de SAP-Urgência, tornaram-se antros de descontentamento. Só lá está a trabalhar quem não tem como fugir àquilo (a não ser os "patos-bravos", vulgo tarefeiros, que ganham principescamente por hora de trabalho para efectuar aquele serviço, geralmente indiferenciadamente, e que não resolvem problemas nenhuns, apenas encaminhando-os ao pessoal "da casa", que tem essa capacidade). E só para lá vai aquele que não tem capacidade para recorrer a outro sítio mais humanizado para resolver o seu problema.
Mas poupa-se, sim senhor.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O Lado Positivo

Agora que vou deixar de frequentar (tanto) espaços fechados, como Centros Comerciais hiper-lotados, Cafés, e outros que tal.
A incidência na minha pessoa de síndromas gripais vai certamente diminuir, bem como de outros, aerossolo-transportados.
Agora só me falta, nesta cruzada por um futuro menos infectado, uma dispensa do Serviço nas Urgências do meu Hospital.
Mas para isso receio que seja preciso mais do que este venenoso vício....

Bombeiros

A propósito de uma recente polémica sobre a surpeendente impreparação de um par de corporações de bombeiros em dar resposta a uma solicitação por parte do CODU, só tenho a dizer o seguinte:
-???*
(*: -Mas do que estavam à espera???; -em que país andaram emigrados estes anos todos???)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Eureka! Ah....

APIFARMA contra venda em unidose "
A APIFARMA está contra a venda de medicamentos em unidose defendida pelo CDS-PP e que vai ser discutida esta quarta-feira no Parlamento. Os centristas consideram que esta medida seria muito positiva para o Estado, mas também para o consumidor. ( 07:58 / 23 de Janeiro 08 )
O presidente da APIFARMA está contra a proposta do CDS-PP relativa à venda de medicamentos em unidose, que será discutida esta quarta-feira no Parlamento e que vai ser chumbada pela maioria socialista (???). Almeida Lopes considera «irreflectida» e «desajustada no tempo» a proposta dos centristas, tendo o líder da APIFARMA recordado que o modelo apenas é aplicado no Reino Unido.«Neste momento, a unidose não existe país nenhum na Europa, à excepção do Reino Unido, onde pensa-se que virá a ser progressivamente abandonada», explicou o líder da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica. Almeida Lopes adiantou ainda que a maior parte do mercado dos medicamentos refere-se a situações em que o paciente tem de tomar fármacos para o resto da vida, o que, na opinião deste responsável, torna indiferente a utilização da unidose. O líder da APIFARMA também não consegue entender como foi possível o CDS-PP chegar à conclusão que a utilização da unidose fará com que o Estado poupa cem milhões de euros ao ano. «Não sei se as contas estão erradas. Não conseguimos descortinar como é possível avançar uma conclusão tão espectacular», afirmou Almeida Lopes, que discorda do facto de haver desperdício de medicamentos. Almeida Lopes entende que o problema do desperdício não se põe no caso das doenças crónicas e que mesmo para o caso das doenças de curta duração, uma vez que o tamanho das embalagens não é desajustado. Citada pela agência Lusa, a APIFARMA entende ainda que a unidose «poderia acarretar um perigo para a saúde pública» (???), já que não estão acauteladas as «condições exigíveis de qualidade e segurança».
Por seu lado, a deputada Teresa Caeiro entende que a unidose seria não só boa para o Estado, pois este apenas «comparticiparia os medicamentos que são consumidos e necessários», mas também para o consumidor. «Poupamos nós, porque a esmagadora maioria dos medicamentos não tem uma comparticipação total e também nós não vamos estar a comprar caixas com medicamentos de que não vamos precisar», acrescentou. Por estas razões, a parlamentar não compreende como ainda não se avançou com esta medida que insistiu permitir ao Estado poupar cem milhões de euros por ano e que não é penalizadora para os consumidores. PSD, PCP e Bloco de Esquerda concordam com o projecto de resolução dos centristas, contudo o Governo só se compromete a aplicar o modelo nas farmácias hospitalares de venda ao público (???).
"
Este país, às vezes, não faz sentido....

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Outra Dúvida Existencial

Ele há coisas... Em Chaves, deve entrar em funcionamento, em finais de 2009, um hospital privado, com maternidade e serviço de Urgência permanente; em Vila Real, está anunciado um hospital privado no agora Hotel do Parque; em Mirandela, deverá abrir daqui a um ano um hospital privado... Teófilo Leite, administrador da Casa de Saúde de Guimarães, que, com o Hospital Particular de Viana do Castelo, detém o empreendimento previsto para Chaves, explica o objectivo destas movimentações em tropel: «Pretendemos responder às necessidades locais.» Mas havia necessidades locais onde foram encerrados serviços? E desvenda o negócio: «O financiamento dos cuidados de saúde passa também pelos seguros de saúde.» Mas não chegam os impostos e as taxas moderadoras? O SNS retira, a iniciativa privada conquista. Faz bem, principalmente porque não precisa, sequer, de custear tiros de artilharia... Vendo isto, parece que a ideia é deixar uns restos de serviços públicos aos que não têm posses para contratar com as seguradoras, retomando-se a política assistencial caritativa do Estado, complementada pelos «chás-canasta». E levanta-se uma dúvida lancinante, descontados impróprios desígnios beneméritos: porque é que, para o SNS, não há «clientes», justificando-se encerramentos, e para os privados há clientes, justificando-se aberturas? Ele há coisas... Quererá o Governo esclarecer-nos, explicando ao País, de forma que ele entenda, como se insere esta evolução no reiterado propósito de preservar o Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito? João Paulo de Oliveira in Tempo Medicina 1.º Caderno de 2008.01.21

Guidelines sobre Suspensão e Abstenção de Tratamento em Doentes Terminais

Realizou-se a 11 de Janeiro de 2008 a Conferência de Consenso sobre Suspensão de Tratamento em Doentes Terminais organizada pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto. Aqui foi debatida a suspensão e abstenção de tratamento em doentes terminais, tendo sido apresentadas as respectivas linhas de orientação para discussão pública. O próximo passo será enviar a proposta aos partidos na Assembleia da República. Existe consenso de que os clínicos não deverão ministrar tratamentos desproporcionados ou fúteis "quando a vida não faz sentido". Tal atitude, além de ser profundamente onerosa, consistiria em má prática médica por prejudicar a qualidade de vida e prolongar de forma desumana o processo de morrer. No entanto, é necessária uma decisão fundamentada e um modelo formal padronizado, através do qual se possa redigir uma ordem para não reanimar e assim dar resposta à hospitalização da morte. As normas de orientação vão estar em discussão pública durante um mês, nas comissões de ética de todos os hospitais portugueses, nas sociedades médicas mais representativas e na Assembleia da República.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Dúvida Existencial

Este país, onde todos exultam com as poupanças na saúde.
Este país, onde se tem votado naquele que prometer despediçar menos na Saúde.
É o mesmo país onde depois se exigem hospitais e centros de saúde com instalações condignas (i.e., que preservem a dignidade dos que neles são atendidos)?
É o mesmo país onde depois se exige atendimento gratuito, rápido e à soleira da porta de casa?
É o mesmo país onde depois se acham os exames diagnósticos e os tratamentos demasiado caros?
Decidam-se.
Este Ministro tem feito aquilo que lhe foi exigido, através do voto:
-Tem fechado serviços, poupando em meios físicos e humanos;
-Tem congelado salários e orçamentos, cristalizando as capacidades locais de se adaptarem às contingências (e incapacitando-os de gastarem);
-Tem aumentado a quota parte de cada cidadão nas despesas (taxas moderadoras, comparticipação dos medicamentos, etc...).
E com isso, tem saído menos dinheiro para a Saúde do bolo do Estado que sairia, caso ele não tivesse tomado estas medidas. Ou seja, menos do orçamento de "todos nós" para a Saúde. E mais para as "outras coisas".
Não está necessariamente mal, é uma opção, nomeadamente a nossa.
E não pretendo aqui escamotear que existem desperdícios escandalosos no sector, que até têm sido, nesta razia ministerial, também corrigidos (alguns).
Mas se a Filosofia subjacente, e com a qual todos têm concordado ao longo dos anos, é a de poupar, não se peçam é critérios de qualidade de avaliação. Peçam-se isso sim critérios económicos e de despesa, que é com base nessas que se tem feito esta política.
Ou por outras palavras, o denominador comum de qualquer governo deve ser o de combater o desperdício, e optimizar a gestão no sector. E não vamos duvidar que todos pretendem esse mesmo objectivo.
A Filosofia por detrás dos meios que visam atingir esse objectivo pode ser:
-A actual, de poupança, em que se "corta" ao máximo, tentando ao mesmo tempo (vá lá) preservarem-se bons níveis de qualidade do Serviço;
-Uma outra, de qualidade, em que se optimiza ao máximo (e com critérios de excelência de serviço prestado) o sector, ao mesmo tempo que se tentam racionalizar os custos.
Parece a mesma coisa?
Não é.
Mas continuo sem perceber as queixas.
Aliás até percebo.
Os doentes queixam-se, e os seus próximos. Fazem um cagaçal nos telejornais.
O problema é que, geralmente, nem sabem do que se devem queixar, e preferem culpar os actores do filme do que os seus argumentistas e realizadores.
Aliás, o problema maior, e mesmo que o ponto anterior não fosse problemático, é que não constituem uma maioria representativa.
Essa é saudável, é activa e tem algum dinheiro.
Até ao dia em que passam para a minoria. E esse dia é absolutamente inevitável, para quase todos.
Mas continua a ser empatia a mais para se pedir....
Fica uma musiquinha, sobre o National Health Service (NHS) britânico, mas que poderia bem ser o nosso próprio Serviço Nacional de Saúde:

Blogue (In)Comum

A visitar: http://anoincomum.blog.com/ Já "roubei" de lá este belo excerto, a não perder: http://www.youtube.com/watch?v=KXROnzpsrlg
A propósito dessa "piadinha", estereotipada no seio da classe entre "especialidades médicas" e "especialidades cirúrgicas", sabem porque é que os Cirurgiões (pronto, sobretudo Ortopedistas) abrem e fecham as portas com a cabeça?
Porque precisam de estimar as mãos, para trabalhar.
E muitas, muitas mais....

domingo, 20 de janeiro de 2008

Experiências

Finalmente, acho que vou conseguir transmitir algo de realmente difícil, aos meus caríssimos (dois) leitores deste blog: o meu estado de espírito em determinadas situações pontuais.
Para ter uma noção das dificuldades e frustrações que encontro no dia-a-dia perante os meus doentes: tentar arranjar uma namorada ao mesmo tempo que esta música passa na aparelhagem de casa.
Para ter uma noção do que interpreto das reclamações dos utentes em Serviços de Urgência apinhados, e que julgam que eu, "o médico", é que sou responsável pelo fecho dos SAP's, pela redução de pessoal nos Serviços e pelas más infra-estruturas físicas, etc...: atentar bem à letra da canção.
Para ter uma noção do meu estado de espírito após uma Urgência de 24horas em Janeiro: colocar uns auscultadores e ouvir alto e non-stop, durante pelo menos 60 minutos.
E depois contem-me.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Causa de Morte: PCR

Isto a propósito de uma notícia recente, em como teria morrido mais uma criancinha não sei onde por "Paragem Cárdio-respiratória" (PCR). Senti-me logo identificado, todos os meus doentes infelizmente contemplados com o exitus final foram também vítimas disso. Arriscar-me-ia ainda a adiantar que em 2007, se morreram 100.000 pessoas em Portugal, as mesmas 100.000 foram vítimas dessa fatal PCR. Parou o coração, pararam de respirar, e morreram por isso (e porque continuaram assim). Parados. Já perceberam os argutos leitores: PCR não é causa de morte. Ou melhor dizendo, é causa (e consequência) universal de morte, e é de bom tom nesses casos adiantar a causa da PCR (já que a PCR se presume...) ou, na ausência de causa conhecida (uma enorme percentagem das mesmas, por sinal), adiantar que a causa de morte (e de PCR) é desconhecida. Dizer que a causa de morte é a PCR será, por outras palavras, o mesmo que dizer que perdi o controlo do carro porque o mesmo se despistou. Ou que o café está quente porque me queimou a língua. Ou que me chateia não poder fumar em locais públicos porque dantes gostava de fumar lá. É uma redundância. E não diz nada sobre aquilo que supostamente deveria esclarecer o receptor da mensagem: "a Causa". Naquele caso, da criancinha, a causa é provavelmente desconhecida. Pode ter sido morte súbita do recém-nascido, uma anomalia congénita descompensada, uma infecção fulminante.... Tudo causas de eventuais mortes, e de PCR's (e das duas coisas). A confusão, entrando no lado metafísico da coisa, pode-se ainda dever ao facto da PCR "ter tratamento" (e da morte, por definição, não). Tratamento esse que tem tanto de popular quanto de ineficaz. Mas qual dos leitores não se comove com as manobras de suporte básico e avançado de vida numa rua apinhada de gente expectante? E aqueles poucos casos reversíveis, por mais irreversivelmente anóxicos (vulgo "vegetais") que estejam (uma esmagadora percentagem desses poucos reversíveis), não justificam tudo? Duvido. Ou seja, é discutível. Ou seja, se morreu, fale-se em causa de PCR, e não em PCR como causa de morte. Se esteve em PCR e não morreu, continua a ser pertinente saber porque entrou em PCR. E ter a noção que é muito melhor transmitir o conceito de peri-paragem (estados de risco de entrar em PCR... e morrer -permanecer em PCR - ou não), do que de falar em meios de abordar doentes em PCR. É que PCR é, quase sempre, tarde demais.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Tabacofobia

Peço desculpas aos meus 2 assíduos leitores, mas tenho andado por outras paragens nos últimos tempos.
Mais precisamente na varanda.
Pois é, a minha mulher e filhos, aproveitando o élan higienista dos tempos de hoje, expulsaram-me a mim, e aos meus "pregos", para o ar livre da rua.
O conceito de "divisão selada" destinada ao tabaco não vinga mais, nesta casa, em 2008....
Tal como fui expulso de lugares onde, outrora, eu convivia alegremente com amigos e hoteleiros. Agora, com sorte, tenho um lugarzito na rua, com mesa, cadeiras, cinzeiro, atendimento em menos de 30min e temperaturas supra-polares.
E olhares de soslaio. Desde logo quando entro, envergonhado, para pagar a conta, logo após exalar a última baforada de tabaco e de fazer umas 10 expirações forçadas, para não levar vestígios de veneno remanescentes nas minhas vias aéreas para o "sítio dos justos". E vou com sorte de ainda não me obrigarem a lavar os dentes.
Depois quando saio, em agonia de privação, feliz por reentrar na Sodoma do "exterior", onde a minha liberdade não foi tolhida, pelo menos por enquanto.
Sou, pois, um toxicodependente.
No caos nas Urgências da época, se fumo, lá fora onde estão os doentes a desesperar há horas para uma primeira observação pós-triagem, sou seguramente linchado (já tentei...). Resta-me o subsolo, na escuridão, escondido das câmaras de vigilância e do povo que tende para a imortalidade. E não sei quanto tempo mais conseguirei fugir, julgo que já andam desconfiados, e que tenho sido seguido nos últimos tempos. Sinto-me um Judeu acossado por nazis. Claro que no fundo não passo de um delinquente a fugir às garras da Lei.
Não posso fumar em casa, nem no carro. Já não fumo em locais públicos. Resta-me a rua, e a clandestinidade.
Curiosamente, a coisa tornou-se emocionante, mas perigosa. Imagino revoltas e rebeliões, Anarquia. Na prática, fujo como posso, e escondo-me.
E, claro, vou para a rua, poluir o ar e os pulmões dos infelizes que se cruzam com as minhas exalações cancerígenas. Enquanto posso.