terça-feira, 29 de maio de 2007

Greve

Eu não acredito em greves.... O fundamento da coisa está no incómodo que podemos causar ao cidadão comum, com a agravante de no nosso caso ser um cidadão potencialmente doente, incómodo de tal forma insuportável que o levamos a pressionar as instâncias x a vergarem-se perante uma reinvidicação (mais ou menos legítima) dessa forma, digna dos desígnios de certo Marquês do passado. Ou seja, chateamos uns para esses lá convencerem o outro a fazerem o que nós queremos. Ainda que o outro ache que não temos razão nenhuma, e que os primeiros gostassem na realidade é que nos obrigassem a trabalhar, quiçã com umas vergastadas com vara verde para nos deixarmos de caprichos. É perverso, já que os mais fracos é que sofrem, e ser pela exaustão dos mais fracos que se procura atingir um determinado fim. Quantos de nós não quiseram já passar com 8 carruagens por cima do maquinista da CP que se baldou numa greve, ou do motorista da Carris? Por aí depreendo que com os médicos não há de ser diferente, quando um doente chega ao almejado dia da consulta, muitas vezes marcada tardiamente relativamente à sua necessidade, e chegado o bendito conclui que por infelicidade esse calhou num dia de greve e o médico ficou em casa, com marcação posterior da mesma. Ou chega à Urgência e nota que as centenas de almas que deveriam ir ao SAP da zona (agora USF) acabaram por optar pelo serviço de Urgência Central, e estão à sua frente? E quem não tem capacidade para chatear, numa sociedade assim, lixa-se. Pois não pode fazer greve. Pena é que também se lixe quem tem esse poder e não o exerce. Bem sei que o autismo das entidades eleitas pode também levar ao desespero daqueles que lhes tentam fazer chegar a voz, por vezes razoável. Mas não devia ser assim. Ou só devia ser assim em último caso. E em último caso não é uma vez por ano. É uma vez por legislatura, ou menos ainda, e ter adesão total (senão revela que o protesto nem chega a ser consensual) e prolongada. E deve ser séria, ser explicada (a começar aos interessados na greve, o que raramente é o caso). E nunca coincidir com tangentes aos fins de semana (honra seja feita a esta...). Eu não vou fazer greve. Vou votar, daqui a poucos anos. PS: acabo aqui, já que bem sei que isso do "votar" teria mais uma bíblia de considerações pela frente, e uma conclusão triste. Mas olho para a França e espero um futuro melhor, nesse capítulo de Democracia participativa....

Friezas

Só quem nunca esteve na pele de um doente, nunca estranhou a brevidade (raramente mais que uns quantos minutos, algo mais na primeira visita) das passagens do médico pela sua cama.
De pouco vale saber que muito do trabalho dele consiste também na avaliação da parâmetros constantes do processo, de consulta de análises, de reavaliações da terapêutica em curso, de exames que se aguardam, etc....
Só quem nunca esteve na pele de um doente nunca estranhou essa constante adaptação que se tem que fazer às rotações pelas camas dos enfermeiros, para a higiene, para a alimentação, para a toma de fármacos, para a avaliação de parâmetros vitais.
De pouco vale saber que há mais x doentes para ele orientar, num espaço de tempo determinado.
Só quem nunca esteve na pele de um doente nunca estranhou o quarto partilhado, com convivas muitas vezes assaz barulhentos, sofredores, pré-mórbidos, ou simplesmente fraca companhia.
As camas desconfortáveis, a comida desensabida, a total ausência de privacidade, a indignidade da imobilização e da incapacidade, virtude de dependência total, para a realização autónoma das mais básicas necessidades.
A ausência de urinol que está longe ou já cheio, a necessidade da arrastadeira.
As horas que não passam, à espera de um exame, à espera de alguma melhora e autonomia, à espera de alguma visita.
E aqueles que nunca têm visitas, ou cujas visitas só parecem preocupadas com a data da alta?
E aqueles que, apesar destas incríveis condições que se verificam nos hospitais de hoje em dia, parecem temer o regresso a casa acima de tudo o resto?
Há vidas muito tristes, meus senhores. Ou que acabam a dada altura por se tornar muito tristes.
Eu chamo-lhe o "passar do prazo".
E pode acontecer a qualquer um....

terça-feira, 22 de maio de 2007

Técnicos de Saúde

Os estuprados.
Por exemplo, os Técnicos de Laboratório. Pela minha experiência, muitos laboratórios da actualidade limitam-se a lidar com máquinas (fruto do avanço tecnológico), nas quais introduzem o sangue (e outros fluidos) dos doentes. Já lá vai o tempo do microscópio e outros adereços que tal, até para exames microbiológicos. Hoje em dia, quem manipula os produtos, deste a sua colheita até à impressão do relatório, são os técnicos, cabendo aos meus colegas aferir da qualidade destes últimos. E dar o "carimbo" de aprovação.
Isto seria tudo muito bonito se os erros, perante centenas de relatórios diários, não fossem inevitáveis, com ou sem supervisão. E se todo o processo não fosse de sobremaneira "encalhado" por esta dinâmica burocrática (as análises surgem-nos nas mãos com inusitada velocidade a partir do momento em que o "carimbo" deixa de ser necessário). Por falar nisso, é interessante como todos se conformam com a ausência física, considerada portanto aceitável a partir de certa hora da noite, do médico analista, mas já não durante as horas do dia.
E o problema aqui não está na utilidade, que é obviamente real, do Médico Analista. Está na teimosia em insistir-se nessa função de "portador do carimbo", mesquinha, ridícula e absolutamente desprovida de qualquer efeito prático, além do nefasto atraso que provoca na obtenção dos resultados por parte do Clínico Hospitalar. Ele é necessário, sim, mas para outras coisas. Ou, visto de outra forma, provavelmente menos necessário do que aquilo que se pretende artificialmente fazer crer.
Idem aspas para técnicos de Imagem. Conheço uma, que faz ecografia, por sinal muitos mais ecocardiogramas que qualquer Cardiologista, muitos mais doppler dos vasos do pescoço e transcraniano do que qualquer Neurologista, e que resolveu, com a sua presença no apoio aos serviços, o problema do atraso, vide impossibilidade prática, de se obterem esses exames em tempo útil. Só que lá está, também ela precisa do "carimbo" de um "especialista" qualquer.
O argumentário para esta demência? Geralmente anda à volta da faculdade "interpretativa" desses exames, que estes últimos acrescenterão ao pacote. Claro que ninguém pergunta se o clínico que pediu o exame está sequer interessado em "interpretações", ao invés de descrições (deixando as interpretações para ele próprio). Claro que ninguém comenta ou investiga se o "olhar interpretativo" não introduz um viés à correcta descrição das imagens, que se quer mais denotativa, e menos conotativa, prejudicando assim a utilidade (e realidade) do exame. Claro que os erros se mantêm, quando existem. Claro que ninguém no seu perfeito juízo espera pelo relatório final, contentando-se com a informação verbal do momento (da técnica, claro está), muito mais dinâmica, e invariavelmente sinónimo daquilo que nos surge na mesa, fora de horas, vários dias depois.
Chega-se aliás ao cúmulo, neste caso que eu testemunho no meu dia-a-dia, da senhora até saber fazer outras técnicas ecográficas (que não existem na instituição), não as podendo porém realizar por falta de quem lhes dê uma "carimbadela". Lá as vai fazendo, a nosso pedido e a bem do doente, mas sempre off the reccord, já que susceptibilidades feridas, neste país, podem fazer muita mossa, até às gentes de bem....
Eu próprio descobri que o mesmo técnico que faz um ECG a um doente meu no Hospital (que eu depois interpreto, às dezenas por semana), com toda a competência (aliás a "dificuldade" da "coisa" está em saber onde se põem um conjunto de ventosas), não os pode fazer em ambulatório porque precisa de uma "interpretação" antes de chegar ao médico que o requisitou (mesmo que esse não tenha pedido qualquer relatório, note-se). Aliás, em ambulatório, nem eu estou tãopouco "habilitado" a interpretar um ECG (perco essa faculdade quando ultrapasso o portão do Hospital). Obviamente que no Hospital, onde as pessoas são pagas à hora (e ganham o mesmo que façam x, quer façam x ao quadrado), seria uma chatice (além de supérfluo) o Cardiologista opinar sobre todos os ECG. Claro que, fora do Hospital, ele não só não se importa como até faz questão (através da Sociedade que o defende).
Isto também é válido para uma série de exames (radiográficos, etc...), que, de um momento para outro, carecem de validação ao mesmo tempo que deixam de ser "Serviço Público".
Quanto mais velho fico, menos paciência tenho para este concentrado de estupidez.
Mas as coisas vão melhorando, julgo.... E isso há de mudar um dia, devagarinho.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Competências

Este é um problema recorrente nos tempos que correm.
Será um determinado autarca competente para gerir a autarquia? Serão certos Deputados competentes para orientar os destinos da Nação? Será um determinado médico competente a realizar técnicas ditas de outras Especialidades? Será um Enfermeiro competente para executar diversos actos ditos "Médicos"? Será o doente competente para avaliar cuidados de Saúde?
E quem determina a Competência, e com que critérios?
A Competência, e tal é tanto mais verdade quanto mais diferenciadas se tornam as técnicas ou actos em causa, deve ser avaliada, e estudada. A Competência, num país onde existem variados "vícios" de sistema, serve também para gerir monopólios, tornando exclusivas coisas que em alguns casos se poderiam generalizar mais, a bem do Mercado e logo, das populações.
A Competência é bem aceite, quando demonstrados os efeitos nefastos da sua atribuição a quem não a deveria ter. Da mesma forma, é mal aceite quando, mais ou menos claramente, veda o direito de outros a exercerem livre e adequamente.
Ou seja, quem sabe deve poder fazer. E quem faz deve deixar outros que saibam fazer também.
Passando ao concreto, num exemplo actual, os Enfermeiros devem poder "atender" as pessoas num determinado Distrito, substituindo um tradicional modelo que dantes seria personalizado por um médico, desde que cumpram adequadamente uma determinada função atribuída no novo modelo (que obviamente não seria a mesma que o médico desempenhava no velho), e que daí não resulte mal maior (ou bem menor) para quem precisa deste serviço.
Provadas estas premissas, é aceitável, ainda que arriscado (cabe aos responsáveis assumirem isso, mas a vida também se faz de riscos, desde que esperadamente controlados, neste caso), um período "experimental" de um novo sistema de orientação dos doentes. Deve ser controlado, e cuidadosamente avaliado.
Porque em última análise, o que realmente interessa é que o doente do tal Distrito veja o seu problema resolvido, com aqueles Enfermeiros, a funcionarem daquela maneira, e articulados assim como está planeado com o demais Sistema de Saúde local.
Com aqueles Enfermeiros, que são os nossos, e não os dos EUA. Com aquelas Competências, que lhes foram atribuídas, e não outras estudadas num contexto que não o nosso.
Se funcionar, nada a opor.
Até lá, cuidado com as generalizações, com as extrapolações e com as insinuações de parte a parte das corporações envolvidas. Isto para aqueles que se preocupam em não deixar de ter razão. E em manter legítima Competência para avaliações sociológicas futuras.

Síndroma Febril Indeterminado

Casos ingratos, e interessantes de um ponto de vista profissional.
Ou seja, febre isolada, sem diagnóstico, durante pelo menos 3 semanas segundo alguns critérios algo mal definidos internacionalmente.
Para o doente, a angústia da doença sem rótulo.
Para o médico um escalar de exames cada vez mais invasivos.
Quanto mais o tempo passa, menos a hipótese infecciosa (uma das 3 principais) se vislumbra, e mais se consideram as hipóteses neoplásica e de doença inflamatória sistémica de outra causa (do grupo de "doenças raras", se quiserem...).
Exames cintigráficos, biópsia hepática, da artéria temporal, óssea e mielograma, punção lombar, exames imagiológicos diversos, com ou sem arteriografia, análises e serologias menos comuns a acompanhar o corropio de ideias que vão surgindo à cabeça numa determinada circunstância, mais ou menos apoiadas em opiniões retiradas de artigos recentes ou das visitas médicas....
Até que às vezes se esgota a imaginação, e opta-se por um tratamento sem alvo certo (uma "prova terapêutica"), com imunossupressores ou antibióticos.
Os desfechos felizes, grandemente dependentes de uma enorme equipa estruturada (médico assistente, imagiologistas, endoscopistas, ecocardiografistas, analistas, patologistas, enfermeiros, outros médicos chamados a opinarem sobre este ou aquele sinal mais específico...), resultam geralmente numa bela recordação, quem sabe num paper.
Muitos outros, infelizes, quer pelo rótulo final de mau desfecho, quer por ausência total de rótulo até ao exitus, contam para a memória de insatisfação pessoal e sensação de dever não cumprido. Além da insatisfação de quem se recusa a compreender, e quem sabe se arrepende de não ter apostado noutro cavalo (vulgo médico, neste caso).
São casos crónicos, para com os quais a frieza da rotina e do contacto acelerado não protegem aqueles que acabam por conhecer demasiado bem a pessoa para se limitarem ao doente.
Bem sei que deverão estar todos a pensar que cada caso (revendo-se na pele de indefeso doente) deve ser para o médico um caso de vida ou morte, em que ele empenha naqueles curtos segundos de observação e actuação toda a sua concentração. Lamento desiludir-vos, pois felizmente, na grande maioria dos casos, aborda-se o doente com um organigrama mental mais ou menos sistematizado conforme as queixas ou sinais que se observam (ou seja, a participação do próprio doente é-lhe muitas vezes de crucial importância), sem empatia ou emoção pela dispneia, pela sensação iminente de morte, pela dor excruciante, pela tristeza, apenas focado em observar isso, tratar assim, excluir aquilo, e por aí fora. Com um toque pessoal e característico de cada um, bem se vê....
Isto tudo surge porque estou neste momento a viver um caso destes, em que começo a gostar e a empatizar mais do que queria com o meu doente, em que começo a ser seriamente detestado pelos seus familiares, e em que ainda não atingi a satisfação do diagnóstico, que não sei ainda se será de feliz descoberta ou não. Já lá vão vários meses de doença, as últimas três semanas (com muita morbilidade à mistura) ao meu cuidado.
No princípio queria ser bem sucedido por mim, era uma questão principalmente de super-ego. Cada vez mais quero ser bem sucedido pelo meu doente, que continua a sofrer com a incógnita da sua mazela.
Mas ainda estou cheio de ideias.
A ver vamos....

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Um bom Enfermeiro - versão Placebo

Aquele que monitoriza o doente, que liberta o médico para outros actos, trabalhando em equipa para optimizar a rápida e eficaz abordagem da doença.
Aquele que está atento ao doente e aos seus parâmetros vitais, chamando a atenção para potenciais descompensações ou evoluções inesperadas do quadro clínico (ou seja, o primeiro "monitor" a apitar).
Aquele que chama descomplexadamente a atenção ao médico quando assim o entende no interesse do doente, explicando o seu ponto de vista quanto àquilo que o intriga. Tem o direito a uma explicação, e o segundo tem o dever de a dar (a prepotência é inadmissível, demonstrativa de mau carácter). Não tem o direito à afirmação gartuita, sem dar direito de resposta ou explicação ao segundo (aí a prepotência é dele...).
Aquele que ajuda nas técnicas que domina, por inerência da profissão, melhor que o médico (punções venosas periféricas, entubações naso-gástricas, algaliações, etc...).
E claro que deveriam poder realizar mais técnicas ainda do que aquelas que podem, oficalmente, efectuar (é ridículo não poderem efectuar uma punção arterial, realizar um ECG, desde que tenham formação para o efeito).
E claro que poderiam e deveriam ter alguma liberdade de "prescrição": dar um paracetamol para a febre, seguir protocolos de redução de tensão arterial, de ajustes glicémicos com insulina, seguir protocolos de testes endocrinológicos padronizados, pedir directamente as exames ao laboratório nesses casos, avaliar a farmacodinâmica de certos fármacos que obedecem a protocolos (pico e vale de gentamicina, por exemplo), entre muitas, muitas outras coisas.... Julgo terem razão em sentirem-se apoucados por esse ridículo vazio de lógica desta situação.
Numa palavra, um bom Enfermeiro, para mim, é aquele que domina o know-how que implica a sua profissão, é aquele que convive cordialmente e numa toada de respeito com os demais profissionais de saúde, e sobretudo, aquele que põe os interesses dos doentes acima de tudo.
Tal como um bom médico, já agora.
Felizmente, contrariamente ao que se julga em dias menos bons, em que a grunhice tudo parece superar, existirá, estou certo, uma maioria de bons profissionais a exercer no SNS. Cabe-lhes distanciarem-se dos outros.
PS: não contem com o autor deste blog, nem para vestir de forma acéfala a camisola da corporação a que pertence, nem para se inibir de discordar com opiniões acéfalas de outras corporações.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Puericultura

Neste blog (http://doutorenfermeiro.blogspot.com/) está a decorrer um verdadeiro debate de banalidades.
Uns acusam outros que ganham muito, são muito maus e manhosos, "capitalistas", malandros, cínicos, e se dermos tempo não tarda a haver insultos no melhor vernáculo. Outros respondem ofendidos, e não nos melhores termos também (mas ofendidos com o quê?...).
A blogosfera resvala frequentemente para isso. É o preço das características que fazem dela também um excelente sítio de debate (mas não se procure por lá por este segundo componente).
E, tal como se faz com as criancinhas mais teimosas, deixo aqui as minhas reflexões sobre o tema.
1º Há enfermeiros certamente melhores (profissionalmente) que muitos médicos; há também enfermeiros piores que outros médicos. E tal como aprecio um bom profissional de enfermagem, classe na qual tenho certamente ainda mais amigos que na médica (talvez pelo seu maior número), desprezo os maus na mesma medida que os meus confrades de profissão.
E reconhece-se bem um bom enfermeiro: aquele que está atento, que assinala, que domina as técnicas, que faz tudo o que for preciso em prol da melhor prestação de cuidados possível ao doente, trabalhando em equipa, gostando ou não da equipa. E o mau: o que se está a borrifar para o doente, o que se rege pela lei do menor esforço, o que gosta de dormir nas velas, e não de vigiar, o que compromete o esforço de equipa em prol do doente em nome de questiúnculas como aquelas que se estão a debater naquele blog.
E, claro, é também muito fácil, após um certo tempo, para um bom enfermeiro reconhecer a qualidade dos médicos que o rodeiam.
2º Os bons deviam ambos (médico e enfermeiro) ser bem remunerados, pelo seu brio; os maus deviam ser pior remunerados, pela sua cretinice.
3º Não fujo à questão que se estarão a fazer, quanto à minha opinião da relação de salários entre uns e outros. Obviamente que só um insano é que pode pretender que, a um nível basal, haja igualdade salarial. Os cursos são abertos, quem quiser pode tirá-los, e vários colegas meus passaram por escolas de Enfermagem e depois transferiram-se para Medicina. E Medicina dá mais trabalho, implicando mais responsabilidade por inerência, daí essa questão não fazer qualquer sentido. Cada um que escolha a sua profissão, e que a exerça com pundonor, sabendo à partida com o que conta. E quem estiver frustrado, de um ou outro lado da barricada, pois que se mude.
4º Concordo que os salários-base estão desvalorizados em Portugal. Por culpa em parte dos próprios médicos, pois nunca se preocuparam em reivindicar mais justiça por "comporem" os mesmos com uma barbaridade de horas extraordinárias. Que entretando se foram instituindo, subvertendo o sistema, e criando vícios difíceis de contrariar, como o da lamentável gestão dos Serviços de Urgência por esse país fora. Os que não fazem horas extraordinárias compõem o salário no privado.
5º A (pseudo-?) falta de médicos não foi "impulsionada" por médicos, interessados em serem "cobiçados" (por serem poucos). Há falsos argumentos melhores que esse. As vagas nas Universidades de Medicina são atribuídas pelo Ministério da Educação, e é esse que deve ser indagado se alguém se quer queixar de "falta" de médicos.
6º Quanto à questão de fundo, debatida pelo MEMI no seu blog, e que gerou esse descontentamento, desconheço-a e por isso prefiro não me pronunciar. Se houvesse, aliás, real debate, eu ficaria também mais esclarecido sobre o que está em questão nessa "reforma", e poderia dar-me ao luxo de opinar no fim, depois de aprender umas coisas. Infelizmente, duvido que vá ter essa sorte.
Lamento pelo conteúdo medíocre deste post aos raros, mas estimados, leitores.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Tabaco - Malefícios

Por onde começar...? (lista não exaustiva) Vasculares: -Aterosclerose acelerada, e suas consequências (cardiopatia isquémica - enfarte agudo do miocárdio, angina de peito, arritmias, ... - AVC, doença arterial periférica...) Neoplásicas: -Pulmão (virtualmente exculsivo dos fumadores), vias aéreas superiores; digestivo alto (boca, esófago, estômago); bexiga; ... Respiratórias: -Insuficiência respiratória, diminuição das capacidades físicas (certamente aliadas a um sedentarismo, que vem de mãos dadas ao tabagismo) -Doença pulmonar obstrutiva crónica -Atopia (asma, rinite, ...) O hálito (pessoalmente, uma das coisas que mais me chateia, e que não se deve subestimar neste ombro a ombro com as grandes doenças...). O cheiro (felizmente, o tabagismo acompanha-se de uma anosmia adaptativa...). O dinheiro (graças aos higienistas dos dias que correm...). O vício/marginalização social (obrigado, mais uma vez). Tudo bons motivos para não se começar a fumar. Eu sei que não começaria, se não soubesse que sabe tão bem. Se já não fosse totalmente devoto à narcose e à pausa reflectiva que representa para mim fumar um "pensativo" cigarro (A.Garrett dixit). Visto daqui (após ter provado do "fruto proibido"): parar melhoraria o meu hálito, a minha capacidade física, a minha conta bancária (desde que fosse sem ajuda farmacológica), a minha popularidade perante a minha mulher e alguns outros familiares ( o meu filho ainda não liga a essas coisas...), a minha produtividade (já que agora sou obrigado a fazer uma pausa de cada vez que me apetece fumar), o cheiro da minha roupa, da minha casa e do meu carro.... Também reduziria o risco da evolução para uma daquelas doenças. A questão está em: porquê hesitar? Teimosia? Talvez um pouco. Mas também acho que deve ser porque é bom. Muito bom.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Lei Anti-Tabaco III

Lifetime Cumulative Exposure to Secondhand Smoke and Risk of Myocardial Infarction in Never Smokers Results From the Western New York Health Study, 1995-2001 Saverio Stranges, MD, PhD; Matthew R. Bonner, PhD, MPH; Federica Fucci, MD, MPH; K. Michael Cummings, PhD, MPH; Jo L. Freudenheim, PhD; Joan M. Dorn, PhD; Paola Muti, MD, MS; Gary A. Giovino, PhD; Andrew Hyland, PhD; Maurizio Trevisan, MD, MS Arch Intern Med. 2006;166:1961-1967. Background : Although many epidemiologic studies have investigated the association between exposure to secondhand smoke (SHS) and risk of coronary heart disease (CHD), few of these studies have assessed exposure measures from different sources over a lifetime. Therefore, we sought to test the association between lifetime cumulative exposure to SHS and risk of myocardial infarction (MI) (as an indication of CHD) among never smokers. Methods : A population-based case-control study in which participants were 1541 never smokers (284 cases and 1257 controls) drawn from 1197 women and men with incident MI and 2850 healthy controls (aged 35-70 years) identified from 2 Western New York counties between 1995 and 2001. Study subjects were asked to report their exposure to SHS at home, at work, and in public settings from childhood to their present age. Exposure histories from each source were combined to form a cumulative lifetime exposure measure. Multiple logistic regression analysis estimated the association between SHS exposure and case status adjusted for age, sex, education, body mass index, race, drinking status, lifetime physical activity, hypertension, diabetes mellitus, and hypercholesterolemia. Results: After adjustment for covariates, exposure to SHS was not significantly associated with an increased risk of MI. Compared with participants in the bottom tertile of SHS exposure, those in the top tertile had an odds ratio of 1.19 [95% confidence interval, 0.78-1.82] for MI. Virtually all subjects reported some exposure to SHS over their lifetime, but self-reported exposures declined over time, especially in the period closest to the interview. Conclusions: Exposure to SHS has declined sharply among nonsmokers in recent years. In the absence of high levels of recent exposure to SHS, cumulative lifetime exposure to SHS may not be as important a risk factor for MI as previously thought. Author Affiliations: Department of Social and Preventive Medicine, School of Public Health and Health Professions, University at Buffalo (Drs Stranges, Bonner, Fucci, Freudenheim, Dorn, and Trevisan), and Department of Health Behavior, Roswell Park Cancer Institute (Drs Cummings, Giovino, and Hyland), Buffalo, NY; and Department of Epidemiology, Italian National Cancer Institute, Rome, Italy (Dr Muti). Dr Stranges is now with the Clinical Sciences Research Institute, Warwick Medical School, Coventry, England, and Dr Fucci is now with Azienda Sanitaria Locale Napoli 1, Naples, Italy.

Lei Anti-Tabaco II

Environmental tobacco smoke and tobacco related mortality in a prospective study of Californians, 1960-98 James E Enstrom, researcher, Geoffrey C Kabat, associate professor, School of Public Health, University of California, Los Angeles, CA 90095-1772, USA, Department of Preventive Medicine, State University of New York, Stony Brook, NY 11794-8036, USA BMJ 2003;326:1057 (17 May) Objective: To measure the relation between environmental tobacco smoke, as estimated by smoking in spouses, and long term mortality from tobacco related disease. Design: Prospective cohort study covering 39 years. Setting: Adult population of California, United States. Participants: 118 094 adults enrolled in late 1959 in the American Cancer Society cancer prevention study (CPSI), who were followed until 1998. Particular focus is on the 35 561 never smokers who had a spouse in the study with known smoking habits. Main outcome measures: Relative risks and 95% confidence intervals for deaths from coronary heart disease, lung cancer, and chronic obstructive pulmonary disease related to smoking in spouses and active cigarette smoking. Results: For participants followed from 1960 until 1998 the age adjusted relative risk (95% confidence interval) for never smokers married to ever smokers compared with never smokers married to never smokers was 0.94 (0.85 to 1.05) for coronary heart disease, 0.75 (0.42 to 1.35) for lung cancer, and 1.27 (0.78 to 2.08) for chronic obstructive pulmonary disease among 9619 men, and 1.01 (0.94 to 1.08), 0.99 (0.72 to 1.37), and 1.13 (0.80 to 1.58), respectively, among 25 942 women. No significant associations were found for current or former exposure to environmental tobacco smoke before or after adjusting for seven confounders and before or after excluding participants with pre-existing disease. No significant associations were found during the shorter follow up periods of 1960-5, 1966-72, 1973-85, and 1973-98. Conclusions: The results do not support a causal relation between environmental tobacco smoke and tobacco related mortality, although they do not rule out a small effect. The association between exposure to environmental tobacco smoke and coronary heart disease and lung cancer may be considerably weaker than generally believed.

Lei Anti-Tabaco

Em primeiro lugar começo pelos conflitos de interesse: sou médico, fumador. Esta lei é sinais dos tempos. A sociedade, e isso vê-se bem quando se trabalha em instituições de saúde, está a seguir um trilho de "higienização" progressiva, em que se abomina, e finalmente proíbe, tudo aquilo que conduz à morte "prematura (de conceptualização muito mais complicada do que aparenta). E isso num serviço de Urgência vê-se bem, sobretudo nas noites de fim-de-ano, em que surgem dezenas de imberbes subitamente doentes por aquilo a que denominamos "intoxicação alcoólica", que eu conhecia pelo nome de bebedeira. A história é: bebi demais, e a seguir fiquei com náuseas, dores abdominais e sensação de mal-estar geral. Tudo isto sempre me pareceu irracional, pois em última análise, o factor de risco suficiente para este fim comum que é a morte ser o nascimento. Foge-se portanto ao real debate, que é a Filosofia com que se encara a liberdade de cada um poder dispor da sua própria saúde, neste caso no tocante a factores de risco (para deixar a eutanásia e o suicídio fora deste debate). E factor de risco consiste em... risco (uma probabilidade x de vir a contrair a doença y). São muitos: tabagismo, mas também sedentarismo, obesidade, qualidade do sono, factores económico-financeiros, factores culturais, entre outros MODIFICÁVEIS. O atentado à saúde de terceiros, no caso do tabaco, sempre foi colateral. É verdade que existe um primeiro estudo, em 2006, que SUGERE morbilidade e mortalidade acrescidas. Mas outros existem, prévios a esse, que não mostram qualquer relação. Acima de tudo, falta neste capítulo a resposta a perguntas simples: quantas centenas, senão milhares, de pessoas não-fumadoras, têm que ficar expostas ao fumo de terceiros para haver uma doença ou uma morte imputável ao tabaco? E qual a quantidade da exposição (estes estudos incidem invariavelmente em pessoas com exposição maciça: empregados de bares, etc...). Sabe-se que todos os não fumadores vão morrer um dia, com algumas das doenças que afectam também os fumadores (já que existem outros factores de risco com os mesmos alvos que o tabaco), a questão está em saber qual é o peso do tabagismo passivo. E isso, caríssimos, ainda não se sabe, pois a única forma de de o saber é com um estudo prospectivo randomizado, duplamente cego, que ainda não foi feito, em que de um lado temos um grupo de cidadãos com outros factores de risco (e essa é a randomização realmente importante) mas sem exposição ao fumo passivo, versus outro grupo com exposição, e com outros factores de risco sobreponíveis aos do primeiro. Então sim poderá-se falar de risco em fumadores passivos, e quantificá-lo para este grupo de expostos maciçamente (como se fez com as crianças e a correlação com atopia). Mas como disse anteriormente, isso não interessa nada aos legisladores, já que o enfoque é dado por forma a este ser considerado um dado colateral, além de falsamente adquirido (e a Ciência nunca foi entrave para os sofistas). Despesa acrescida na Saúde com fumadores? Tenho muitas dúvidas. Os fumadores pagam impostos semelhantes aos outros, mais a barbaridade que lhes é exigida pelo tabaco (praticamente 100% direccionada para o Estado), têm menos anos de vida (8-9 anos, em média), mas na franja em que os anos de vida significam despesa acrescida do Estado para com o cidadão (é a fase em que ele se encontra reformado, mais doente, com maior recurso a instituições de saúde, com maior e crescente número de remédios a serem comparticipados, etc...). Logo, despesa acrescida, duvido. Até porque, e não me canso de relembrar: os não fumadores também morrem, de doença igualmente crónica e onerosa. Só que mais tarde, mas não me quero repetir.... O aumento do preço com o tabaco reduz os fumadores (entenda-se: coage os que têm menos dinheiro a terem que deixar de fumar). Além da discriminação encapotada, que consiste em vergar aqueles que não têm meios para resistir à ofensiva taxante do Estado, gostava de saber as contas finais nos rendimentos do Estado com o tabaco de tais medidas. É que ao contrário do que se possa pensar, o Estado lucra barbaridades, pois ainda que haja menos fumadores, os que continuam a fumar pagam o suficiente para compensar largamente o emagrecimento das suas fileiras. Adiante, ingenuamente acredito então: o Estado realmente quer o melhor para a minha saúde (não falo da contradição com outras medidas colaterais relacionadas com o SNS, pois este post já está enorme...). Quer que eu pare de fumar. Comparticipa os medicamentos comprovadamente eficazes na cessação tabágica? Grande contradição, meus senhores. E não falo apenas das pastilhas e sêlos de nicotina, mas isso já foi descrito abaixo, noutro post.... E a obesidade? E o sedentarismo? E a qualidade do meu sono? E a poluição atmosférica? E as minhas condições sócio-económicas? Porquê só o tabaco? Porquê só os fumadores? No fundo: Porque é que não posso, devidamente informado das maleitas do tabaco (concedam-me lá isso...), fumar assumindo riscos para a minha saúde? Em bares devidamente assinalados, em carruagens de combóio devidamente assinaladas, em salas no meu Hospital para o efeito? Isto faz-me lembrar uma questão existencial que me pus no outro dia quanto a um doente internado, hipertenso, fumador e diabético, octogenário. Num gesto automático, prescrevi-lhe uma dieta sem sal e com restrição de hidratos de carbono; resultado: o homem não comia nada. A aguardar penosamente pela alta, para regressar aos seus queijos e enchidos. E, obviamente, ao seu tabaco.... Uma última nota, para aqueles que estarão a pensar no mau exemplo que estou a dar, sendo médico e "pró-tabágico". Desaconselho quem quer que seja a fumar, pois faz mal à saúde, e afecta a qualidade de vida. Mas nunca disse a um doente fumador que "não podia" fumar. Digo-lhe sempre que "não deve", e acrescento o porquê. Chamo-lhe respeito, pela sua liberdade individual.

A Pergunta do Dia

Quem deve pagar pela saúde de cada um de nós?
-Todos (Estado)?
-Cada qual?
E com que qualidade?
-A melhor possível e não se olha a preços para os meios físicos e humanos requeridos?
-Uma qualidade "assim-assim"?
Se cada um de nós decidisse pessoalmente essas importantes questões de uma vez por todas, e os nossos representantes as reproduzissem para podermos votar em conformidade, muitos dos problemas actuais que vão surgindo não teriam razão de ser.