terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Dor anónima

Cinco da manhã. Chamada do enfermeiro, que informa que um doente com neoplasia (vulgo cancro) do pulmão em estádio terminal está agitado. Está sim, agitado. Com falta de ar. Sozinho, ao lado de dois outros doentes, fartos de não conseguirem descansar nessa noite, virados no sentido oposto àquele em que se encontra o dito cujo. Assim como o doente parece estar farto de sofrer, a pensar naquele instante num corropio de hipóteses inviáveis de pôr fim ao suplício. O analgésico, misturado ao sedativo, já não chega, definitivamente. Em início de carreira, manuseava a coisa com imenso cuidado... aumentos paulatinos das doses, sem bólus (injecções pontuais) consideráveis. Agora, um bocado mais calejado, sei que posso insistir e exagerar nas quantidades, sendo que o melhor que pode acontecer àquele homem em sofrimento ser passar a um estado de consciência em que a situação dele deixa de ser triste realidade. E se morrer.... Se morrer? Bem, interrompo, já que isso não é francamente opção, nem tão pouco questões de prazo. Mas não morreu, adormeceu num sonoroso ressonar farfalhento. Não morreu AINDA, claro. Ou já morreu há tempos, quem sabe. Vida aquilo não era, pelo menos vida que se queira. Fumava, pois claro. Os que não fumam, infelizmente, não têm melhor sorte. Entenda-se: melhor morte. Subo para o meu gabinete, acendo um cigarro e vivo mais um pouco.

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